Exclusivo para Assinantes
Mundo

Entrevista explosiva de Harry e Meghan desafia sucessão de Elizabeth II no trono britânico

Com a iminência de mudanças na Coroa, crise levanta questionamentos sobre a adequação da instituição ao século XXI e sua longevidade após o atual reinado
Harry e Meghan, durante entrevista com Oprah Winfrey na Califórnia Foto: Handout / Harpo Productions/Joe Pugliese
Harry e Meghan, durante entrevista com Oprah Winfrey na Califórnia Foto: Handout / Harpo Productions/Joe Pugliese

A reveladora entrevista do príncipe Harry e de Meghan Markle à apresentadora Oprah Winfrey provou-se ainda mais comprometedora para a Coroa do que se podia prever. A nova crise no Palácio de Buckingham expõe não apenas como questões raciais e de classe ainda estão entranhadas na aristocracia britânica, mas levanta dúvidas sobre como a monarquia irá lidar com as mudanças iminentes em seus quadros.

Na conversa de duas horas com a apresentadora americana, Harry e Meghan “carregaram um bombardeiro B-52, sobrevoaram o Palácio de Buckingham e descarregaram seu arsenal bem em cima”, como disse o canal britânico ITV. Em sua primeira entrevista após romper com a família real há um ano, o casal acusou a Coroa de racismo e de uma "campanha de difamação" tão hostil que levou Meghan a cogitar cometer suicídio.

Memória: Relembre outras entrevistas explosivas da realeza britânica

A dupla tentou desvencilhar a rainha Elizabeth II, que completa 95 anos mês que vem, da institução que ela representa: Harry falou com carinho sobre sua avó, enquanto Meghan afirmou que Elizabeth “sempre foi maravilhosa" com ela. Suas declarações, contudo, são devastadoras para a Coroa, vindas em um momento particularmente complicado para o seu futuro.

Há 68 anos como chefe de Estado, Elizabeth é a monarca mais longeva da História britânica e sua popularidade reflete-se na Coroa. Ancorando-se no tradicionalismo e mantendo-se distante do debate político, ela já atravessou 14 primeiros-ministros, conseguiu manter-se de pé enquanto o Império Britânico terminava de ruir e sobreviveu à crise provocada pelo divórcio do príncipe Charles, seu herdeiro, e a princesa Diana. A mudança no trono, todavia, é iminente, assim como os questionamentos sobre a relevância da monarquia e de seus privilégios em pleno século XXI.

Segundo uma pesquisa realizada pelo YouGov no mês passado, há uma relação direta entre a geração dos entrevistados e a pertinência da entrevista de Meghan e Harry para Oprah: entre aqueles com idades entre 18 e 24 anos, 52% afirmaram que a conversa com a apresentadora americana foi apropriada. Entre aqueles com 65 anos ou mais, apenas 11% deram seu aval.

Entenda: Troca de acusações entre Meghan e Palácio de Buckingham abre crise nunca vista desde a época de Lady Di

'História se repetir'

A já questionada capacidade de Charles de comandar a difícil transição ficou ainda mais explícita na entrevista de domingo. Harry deixou claro que a relação com seu pai não passa por seu melhor momento: segundo o príncipe, Charles chegou a parar de atender suas ligações após o casal anunciar que se afastaria de suas obrigações reais em 2020. Ele disse ainda se sentir "realmente decepcionado" com a falta de apoio de seu pai.

Historicamente, problemas familiares que transbordam do perímetro do Palácio de Buckingham são alguns dos piores pesadelos da monarquia britânica. Em 1936, o país se viu em uma crise constitucional após o rei Edward VIII abdicar do trono para poder se casar com Wallis Simpson, uma divorciada americana. Nos anos 1990, o conturbado divórcio de Charles e Diana em meio a traições fez a popularidade da Coroa despencar.

Análise: Sobre crescente contestação, monarquias se equilibram para sobreviver na Europa

Um alvo dos tabloides britânicos desde que começou a namorar Charles, Diana não teve paz após o divórcio. Em 1995, deu uma célebre entrevista para a BBC na qual disse que o Palácio via sua popularidade como uma ameaça e que havia três pessoas no seu casamento — uma referência ao affair de Charles com Camilla Parker Bowles, com quem ele se casou posteriormente.

Até hoje comentada, a entrevista rendeu conteúdo para tabloides por meses. Dois anos depois, Diana morreu em um acidente de carro em Paris quando era perseguida por paparazzi. Em sua entrevista a Oprah, Harry disse que seu maior medo era que “a história se repetisse”. Em várias ocasiões, o príncipe já disse que culpa a cultura midiática britânica pela morte de sua mãe.

Leia Ainda: Príncipe Harry e Meghan Markle perdem títulos e apoio financeiro, em separação definitiva da família real

Racismo no palácio

Se as mulheres que ingressam na família real britânica são particularmente acossadas pelos tabloides, com Meghan havia novos fatores em jogo. O fato de a ex-atriz ser negra, divorciada e americana foi suficiente para que esses veículos elevassem ao máximo a potência das manchetes que tentavam transformá-la em vilã.

Várias foram as notícias negativas sobre parentes com quem a duquesa de Sussex não tinha boa relação, gastos com obras e uso de aviões particulares. O casal demonstrou frustração particular com o fato de que as engrenagens internas da Coroa ou seus integrantes não se moveram para desmentir histórias falsas ou protegê-los.

No ambiente familiar, afirmou o casal, o clima também era hostil. Segundo Meghan, um integrante da família real teria levantado, em uma conversa com Harry, preocupações sobre “o quão escura” a pele do filho do casal seria. O príncipe não disse quem fez a afirmação, mas Winfrey posteriormente negou que tenha sido a rainha Elizabeth II ou seu marido, o príncipe Philip, de 99 anos, que está internado desde fevereiro. Em novos trechos da entrevista divulgados nesta segunda-feira — a conversa durou mais de três horas, mas foi editada para a TV — Harry disse que o racismo  “teve um grande papel” na decisão do casal de deixar o país.

A Coroa também teria se negado a fornecer ao filho do casal, Archie, um título ou proteção oficial. Segundo as regras da monarquia britânica, ele teria direito automático a ambos assim que Charles se tornar rei. A pressão foi tanta que Meghan afirmou ter cogitado cometer suicídio para se ver livre da situação. Ao pedir ajuda psicológica, ouviu de funcionários da Coroa que “não havia nada que pudesse ser feito” para ajudá-la porque isto seria ruim para a instituição.

A repercussão na imprensa foi imediata. Segundo a BBC, a entrevista explicitou "indivíduos insensíveis presos dentro de uma instituição" tão perdida quanto eles e as "terríveis pressões dentro do palácio". Nos tabloides, por sua vez, há conteúdo para uma década de notícias, como destacou o Financial Times.

Tablóides reagem

O Daily Mail, particularmente duro em sua cobertura sobre a duquesa, dedicou grande parte de seu site a dezenas de análises e notícias favoráveis à Coroa. Em fevereiro, sua publicação irmã, o Mail on Sunday, perdeu uma ação por publicar trechos de uma carta que Meghan escreveu para o seu pai.

“Meghan faz acusações sensacionais de que a família real baniu Archie de ser príncipe devido a preocupações com o quão ‘escura’ sua pele seria’”, dizia uma das manchetes. Críticos proeminentes de Meghan, como o apresentador Piers Morgan, acusaram o casal de ser “muito desleal” e que Meghan retratou a família real como "supremacistas brancos".

Nas telas: Brigas, confusões, infidelidades e sexo costuram documentários, filmes e séries sobre os nobres britânicos,em streaming

Comentando a entrevista, o premier Boris Johnson expressou sua admiração pela rainha, mas afirmou que não iria falar sobre as acusações de racismo. O Palácio de Buckingham ainda não se pronunciou sobre o assunto.

— Eu sempre tive a maior admiração pela rainha e pelo papel unificador que ela exerce no nosso país e na Comunidade Britânica — disse Johnson. — No que diz respeito ao resto, todos os outros assuntos da família real, eu passei muito tempo não comentando isso e não pretendo mudar hoje.

O Partido Trabalhista, opositor ao governo, disse que o Palácio deve realizar uma investigação sobre as acusações feitas pela duquesa e que ninguém deve ser alvo de preconceito devido à cor de sua pele ou questões relacionadas à saúde mental. O movimento republicano, por sua vez, aproveitou a crise para defender a extinção “dessa instituição podre”.

Globalmente, a crise também ameaça manchar a imagem da família real, cuja popularidade vinha em alta, surfando na imagem da rainha e em uma série de produções midiáticas sobre a instituição. O imaginário ao redor da monarquia britânica é tão forte que, segundo números iniciais, 17,1 milhões de americanos assistiram à entrevista de Harry e Meghan, sendo possivelmente a maior audiência para um evento não esportivo na temporada 2020-21.

Enquanto a entrevista de Harry e Meghan ia ao ar, uma das principais premiações de Hollywood do ano, o Critics Choice, honrava a série The Crown, baseada na história da família real. A temporada mais recente, sobre o fracassado casamento de Charles e Diana, levou o prêmio de melhor série, enquanto os atores que interpretam o casal foram premiados em suas categorias.