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Guillermo Lasso, candidato da direita, é eleito presidente do Equador

Andrés Arauz, aliado do ex-presidente Rafael Correa, reconheceu derrota na noite deste domingo; eleito governará sem maioria no Congresso
O presidente eleito do Equador Guillermo Lasso celebra sua vitória em Guayaquil Foto: FERNANDO MENDEZ / AFP
O presidente eleito do Equador Guillermo Lasso celebra sua vitória em Guayaquil Foto: FERNANDO MENDEZ / AFP

O candidato da direita Guillermo Lasso venceu a disputa com o economista de esquerda Andrés Arauz, aliado do ex-presidente Rafael Correa, e elegeu-se presidente do Equador no segundo turno da eleição, neste domingo.

— Os equatorianos manifestaram seu desejo de mudança — disse Lasso, um empresário que concorreu à Presidência pela terceira vez, no discurso da vitória.  — Em 24 de maio assumiremos com responsabilidade o desafio de mudar os destinos da nossa pátria e conquistar para todo o Equador as oportunidades e a prosperidade que desejamos.

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Em discurso a seus apoiadores, Araúz reconheceu a derrota quando a apuração chegou a 93,27% das atas, consolidando a vantagem de Lasso, que tinha 52,51% dos votos válidos, contra 47,49% obtidos por ele. O candidato disse que ligaria para o rival para felicitá-lo pela vitória, a fim de demonstrar suas "convicções democráticas". Num país em que o voto é obrigatório, houve 17% de votos nulos e brancos.

No primeiro turno, em fevereiro, Araúz ficou em primeiro lugar, com 32,7%, contra 19,74% de Lasso e 19,39% do advogado Yaku Pérez, candidato do movimento indígena Pachakutik. Pérez alegou fraude para afastá-lo da disputa final e pediu uma recontagem da maior parte dos votos, que foi negada pelo Conselho Eleitoral.

O candidato indígena fez campanha pelo voto nulo . Seu partido, que em fevereiro conquistou 27 cadeiras na Assembleia Nacional de 137 deputados, terá papel decisivo na governabilidade do presidente eleito. A coalizão de Lasso ganhou apenas 31 cadeiras, enquanto a Aliança União pela Esperança, de Arauz, tem 49, e a Esquerda Democrática, do ex-candidato presidencial Xavier Hervas, elegeu 18 deputados.

Campanha negativa

Nos últimos dois meses de campanha, Lasso, de 65 anos, concentrou esforços em atacar os pontos fracos de Arauz, com destaque para sua relação próxima com o ex-presidente Correa, exilado na Bélgica, país de origem de sua mulher, e condenado, no ano passado, a uma pena de oito anos de prisão sob a acusação de recebimento de propina de empresas em troca de contratos com o Estado. Correa nega o crime e afirma ser alvo de perseguição política e judicial.

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O empresário e candidato da aliança entre o Movimento Criando Oportunidades (Creo) e o Partido Social-Cristão tem entre seus assessores o consultor político Jaime Durán Barba, famoso por ter conseguido eleger o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) na Argentina.

Já Arauz, de 36 anos, acusou seu adversário de ser o candidato do ajuste e de usar o dinheiro de seus aliados banqueiros para orquestrar uma “campanha suja”. Nas últimas semanas, Lasso usou intensamente as redes sociais para acusar Arauz de vínculos com o Exército de Libertação Nacional (ELN), guerrilha ainda ativa na Colômbia, e denunciar seu suposto envolvimento em escândalos de corrupção envolvendo a empresa brasileira Odebrecht.

A imagem negativa dos dois candidatos alcançava 50%, o que tornou mais difícil para analistas antecipar qual seria o desfecho de uma queda de braço que definiu se o movimento político liderado do exílio por Correa, que foi um dos expoentes da chamada onda bolivariana na América do Sul, retornaria ou não ao poder.

O Equador está mergulhado numa grave crise econômica — em 2020 o PIB despencou 8,9% — e sanitária — os contágios de Covid-19 já atingiram 345 mil, e os óbitos, 17.275. O atual governo, do presidente Lenin Moreno, é rejeitado por cerca de 80% da população. Moreno, que foi vice-presidente de Correa, foi eleito em 2017 com o respaldo do então presidente, mas acabou se distanciando e até mesmo promovendo a perseguição de membros do governo anterior.

— Esta foi uma campanha muito polarizada e na reta final Lasso conseguiu empatar com Arauz. Para o candidato de Correa foi muito mais difícil crescer depois do primeiro turno — explica Juan Rivadeneira, consultor político da LLYC no Equador.

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Para ele, “um dos ataques mais bem sucedidos de Lasso a Arauz” foi tê-lo acusado de ter mantido seu emprego no Banco Central durante o governo Moreno.

— Uma das incógnitas desta eleição era o voto escondido do correísmo, de setores econômicos mais vulneráveis que receberam muita ajuda dos governos de Correa. Nossa economia está em ruínas — disse Rivadeneira.

Mulheres indígenas votam em seção eleitoral em Cangahua, província de Cayambe, no Equador Foto: CRISTINA VEGA RHOR / AFP
Mulheres indígenas votam em seção eleitoral em Cangahua, província de Cayambe, no Equador Foto: CRISTINA VEGA RHOR / AFP

O analista Leonardo Magalhães, do instituto Atlas Intelligence, lembra que Lasso “é conhecido por ser um empresário, de família pobre, que ficou rico graças ao próprio esforço”.

— Ele tem imagem de bom gestor, embora nunca tenha ocupado um cargo público importante. Por outro lado, está muito associado ao mundo dos banqueiros e ao trágico feriado bancário — afirma Magalhães, referindo-se ao dia 8 de março de 1999, quando foi declarado um feriado bancário de 24 horas, com congelamento de depósitos. A medida acabou vigorando por um ano.

Para ele, o ex-banqueiro tinha, ainda, “o problema de ter sido aliado do governo de Moreno”.

— Arauz tem pouca experiência, mas ocupou cargos altos no governo Correa. Estudou em ótimas escolas, tem dupla graduação em matemática e economia em universidades americanas, um perfil de elite. Seu ponto negativo era a memória do governo Correa, onde houve pouco diálogo e muito conflito político — diz o analista.

Entre 1997 e 2007, o Equador teve oito presidentes. Nos dez anos seguintes, Correa foi a figura dominante da política nacional. A eleição de ontem definiu se, para a maioria dos 25 milhões de eleitores equatorianos, pesou mais o desejo de uma mudança, prometida por Lasso, ou a lembrança dos anos de bonança do correísmo.

— O segundo turno foi um confronto entre correísmo e anticorreísmo — conclui Simón Pachano, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).