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Câmara dos EUA aprova impeachment de Trump por ‘incitar insurreição’ contra a democracia

Republicano é primeiro presidente a ser submetido ao processo duas vezes; 10 deputados do partido votaram pela punição, um recorde
Entrada de visitantes do Capitólio, apinhada de soldados da Guarda Nacional para a votação na Câmara do impeachment de Donald Trump Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP
Entrada de visitantes do Capitólio, apinhada de soldados da Guarda Nacional para a votação na Câmara do impeachment de Donald Trump Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP

A uma semana do fim do mandato de Donald Trump e uma semana depois de ele incitar a invasão do Congresso com o objetivo de impedir a homologação da vitória eleitoral de Joe Biden, a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos aprovou nesta quarta-feira o processo de impeachment do presidente, e a ação agora segue para o Senado.

O presidente do Senado, o republicano Mitch McConnell, afirmou, no entanto, que não reunirá a Casa, que está em recesso, até o dia 19 de janeiro, véspera da posse de Biden, e, com isso, Trump deve permanecer na Presidência até o final de seu mandato.

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Esta foi a primeira vez na História que um presidente americano foi duas vezes condenado  pela Câmara dos Deputados, desta vez pela acusação de “incitar a insurreição” contra a ordem constitucional e o sistema democrático do país.

Ao contrário do primeiro processo, aprovado no final de 2019 com todos os deputados da base governista apoiando Trump, desta vez, além de todos os democratas, ao menos dez republicanos voltaram-se contra o presidente, fazendo desta a votação de impeachment com maior apoio bipartidário da História. O resultado final foi de 232 votos a favor do impeachment e 197 contra.

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Em um vídeo divulgado após a votação, Trump não citou o impeachment. Uma semana depois de dizer aos apoiadores que deviam "lutar como o diabo", o presidente buscou se afastar dos manifestantes invasores, dizendo que ficou "chocado e entristecido" pelos episódios no Capitólio, descritos como "uma calamidade".  Ele disse que todos que apoiam sua agenda devem "buscar maneiras de aliviar as tensões".

— Quero ser muito claro, condeno inequivocamente a violência que vimos na semana passada. A violência e o vandalismo não têm absolutamente nenhum lugar em nosso país e nenhum lugar em nosso movimento — ele afirmou.

Os democratas desejam aprovar o impeachment de Trump para fazer desta situação um exemplo para outros líderes que possam tentar agir contra o sistema democrático do país, e também para abrir espaço para, em uma votação independente posterior, cassar os direitos políticos de Trump, o que o impediria de voltar a se candidatar a cargos públicos.

Começando pela manhã, os deputados travaram um longo debate sobre o impeachment do presidente pela invasão do Congresso por seus apoiadores. Cinco pessoas morreram nos distúrbios, incluindo um policial do Capitólio dos EUA que morreu em decorrência de ferimentos de golpes dados por manifestantes.

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Desta vez, o Congresso estava fortemente vigiado, protegido por milhares de soldados da Guarda Nacional, que estavam dentro do edifício pela primeira vez desde a Guerra Civil Americana. Os democratas e republicanos trocaram argumentos acalorados sobre os efeitos em longo prazo de uma condenação contra o presidente.

Soldados da Guarda Nacional dos EUA no Capitólio Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP
Soldados da Guarda Nacional dos EUA no Capitólio Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP

Citando os episódios mais sombrios da História americana, a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, da Califórnia, pediu aos colegas de ambos os partes que adotassem "um remédio constitucional que garantirá que a República estará a salvo deste homem que está tão resolutamente determinado a destruir as coisas que amamos e nos mantêm juntos".

— Ele precisa sair. Ele é um perigo claro e presente para a nação que todos amamos — disse Pelosi. — Sabemos que o presidente dos Estados Unidos incitou esta insurreição, esta rebelião armada, contra o nosso país.

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Ao contrário dos debates acirrados do processo de 2019, no entanto, o prédio estava mais silencioso, sem hordas de repórteres e câmeras.

Após apoiar as falsas acusações de Trump sobre fraude eleitoral, o deputado Kevin McCarthy da Califórnia, líder republicano na Câmara, agiu com cautela. Manifestou-se contra o impeachment, alertando que isso "inflamaria ainda mais as chamas da divisão partidária". Mas também culpou Trump pelo ataque e rebateu falsas sugestões de alguns de seus colegas de que antifascistas teriam sido responsáveis pelo cerco, e não seguidores Trump. Ele propôs aprovar uma moção de censura ao presidente em vez de aprovar o impeatchment.

— O presidente é responsável pelo ataque de quarta-feira ao Congresso por uma horda rebelde — disse McCarthy.  —Ele deveria ter censurado imediatamente a turba quando viu o que estava acontecendo. Esses fatos exigem ações imediatas do presidente Trump. Aceite sua cota de responsabilidade. Acabe com a agitação crescente. E garanta que o presidente eleito Biden possa iniciar seu mandato com sucesso.

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O posicionamento teve uma notável diferença se comparado ao primeiro impeachment de Trump, em janeiro de 2020, quando os republicanos o defenderam de maneira unânime e entusiasmada. Na época, ele acabou inocentado pelo Senado da acusação de abuso de poder, por ter pressionado o governo da Ucrânia a investigar Biden, na época um possível candidato à Presidência, e seu filho Hunter, que tinha negócios naquele país.

O presidente, contudo, manteve apoio entre muitos correligionários. Marjorie Taylor Greene, a deputada estreante Geórgia que apoia a teoria da conspiração QAnon, discursou enquanto usava uma máscara que dizia "censurada".

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No primeiro impeachment, só um senador republicano (Mitt Romney) votou pela saída de Trump. Agora, alguns afirmaram que acreditam que Trump cometeu crimes passíveis de impeachment, mas em número ainda insuficiente para condená-lo. McConnell disse ainda não ter decidido como votará, e sua decisão deve impactar muito o resultado final.

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São necessários dois terços de senadores (67) para condenar Trump, e não há uma data marcada para a votação acontecer. Quando o Senado vota um impeachment, a pauta do Parlamento fica travada, e Biden indicou que não deseja que isso aconteça nos seus 100 primeiros dias no cargo.

Após a votação desta quarta-feira, o Congresso também começará a enfrentar o tópico ainda mais espinhoso de punição a integrantes de suas próprias fileiras que fizeram comentários incendiários semelhantes aos de Trump, incitando multidão que invadiu o Capitólio.

A votação também acontece em meio ao que autoridades federais classificam como uma ampla e sem precedentes  investigação sobre os invasores e amotinados, que pode resultar em acusações de "conspiração sediciosa", além de homicídio doloso.